Representatividade importa, sim.

Uma das reflexões que tive em um jantar no Restaurante Universitário (vulgo RU) foi tão profunda que decidi escrever sobre isso antes que a ideia me fugisse à memória. Entre uma garfada e outra, entre um comentário sobre a qualidade da comida e sobre como a moça do arroz tinha exagerado na comida do meu prato, eu e minha amiga introduzimos na conversa a política atual e a questão da representatividade.

O Partido da Mulher Brasileira tem o objetivo de representar as mulheres na política, até porque inseri-las com tão poucas mulheres no partido seria bem complicado. Estão vendo aí? É um tipo de representatividade, mas não representa as mulheres brasileiras porque os homens, maioria gritante, não entendem sobre as lutas feministas como uma mulher entenderia. A mulher vive e sente isso todos os dias, o homem apenas imagina (isso se ele se der ao trabalho).


Inserimos na conversa o filme A Garota Dinamarquesa. Soube por alto, pela internet, dos comentários que cercavam o filme sobre a escolha do ator e a pergunta geral era: por que colocar um ator para o papel de uma mulher trans se há muitas mulheres trans por aí? Até então não tinha importância alguma para mim, afinal, um ator não podia fazer vários papéis? Quando minha amiga falou sobre isso retomei a questão com mais afinco e lembrei dos filmes hollywoodianos de antigamente. 
Mickey Rooney como senhor Yunioshi
em Bonequinha de Luxo

Nos filmes, se era preciso um negro para o papel, pegava-se um ator branco e maquiava; se queriam um chinês, pegavam um ator branco norte-americano e maquiavam; o mesmo para os latinos e outras minorias. Realmente, por que não convidar um ator negro, um ator chinês ou um ator latino? Fora que os papéis para os negros são os de bandidos e os de chineses (ou asiáticos num geral por que eles não se importam com a distinção) são sempre de alguma máfia ou o herói lutador de Kung-Fu (ou uma outra prática de luta oriental porque eles não se importam com a distinção). Por que uma  mulher trans não poderia atuar como uma mulher trans?

        Não me atrevo a dizer que é uma falsa representatividade, mas me recuso a chamar de legítima. Aqui surge outro questionamento: o que seria a representatividade legítima? A volta no ônibus para casa me reservou tempo para pensar e encontrei casos em que esse conceito se aplica.

John Boyega e Daisy Ridley em
Star Wars: O Despertar da Força
Pra começar, Chimamanda Ngozi Adichie representa as mulheres na África do Sul, porque é mulher, nasceu e cresceu na África do Sul, cercada de todos os preconceitos e tradições que até hoje moldam as relações entre gêneros na região. Malala Yousafzai representa as mulheres e meninas paquistanesas que querem ter direito a educação numa sociedade altamente patriarcal em que mulheres não tem voz e num contexto repleto de conflitos religiosos. O ator John Boyega, do fillme Star Wars: O Despertar da Força, representa a população negra, justamente por sê-lo e por ocupar um dos papéis principais do filme, o outro papel principal é da atriz Daisy Ridley.

Matias Melquiades, de 4 anos,
pediu o boneco Finn do novo
Star Wars por ser igual a ele. <3
Fizemos um grande avanço dos romanos (que fantasiavam homens de mulheres no teatro) até aqui. Não é por que alguns argumentam que a vida não é elenco do Power Ranger para ter mulheres, negros, deficientes físicos e LGBT's, que devemos aceitar. Até os produtores do Power Rangers sabem que representatividade importa. A representatividade pode construir, perpetuar ou desconstruir valores, crenças e preconceitos. Representatividade (e também quão legítima ela é) importa, sim.


Comentários

  1. Sinceramente, já ouvi: "a Globo está tornando as pessoas LGBT". Foi um comentário muito LGBTfóbico, então, isso me fez pensar sobre a representatividade. Logo percebi o que a mídia mostra sobre grupos LGBT, e até mesmo negros - proliferam preconceitos. Aí chamam isso de "representatividade". Muitas das vezes eles apenas transmitem preconceitos, como em programas de humor - que ridicularizam o gay. Eu, por exemplo, não me sinto representado pelo gay da novela e já vi gente falando "mas tu sabe que tu não é gay" só pelo fato de eu não ser afeminado, pois esse é o conceito de gay que a mídia promove. Se querem representar, devem representar de diversos ângulos. Eu acho que o conceito de "representatividade legítima" também tem que considerar isso. ;) Ótimo texto.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Segue a gente no Facebook ;)

Seguidores

Outros textos que você pode gostar