"Não me vejo, não compro" - sobre negritude, empoderamento e representatividade


Já estou montando esse texto há algum tempo, mas sempre aparece mais para falar. De qualquer forma, mesmo já passado algum tempo, a discussão vale a pena.

Hoje quero falar um pouco sobre negritude e representatividade, mais especificamente da foto da menina negra que queria uma mochila que a representasse. Ela estava em frente a uma loja de materiais escolares com uma pilha de mochilas atrás dela e uma placa em suas mãos com o escrito "não me vejo, não compro". A foto viralizou e gerou montes de posts e textões, mas se por um lado as discussões são boas para repensar sobre a representatividade, por outro nos faz perceber que ainda há muita desinformação, ingenuidade e racismo.

Enquanto uns argumentavam que
"não existe racismo" outros comentavam
coisas como a imagem acima, comparando
a menina com um macaco. Se isso não
é racismo, gente, o que é?
Os comentários que culpavam a mãe pela exposição da menina ou a própria menina por não pegar qualquer mochila variavam, iam de extremos a extremos. Sugeriram que ela usasse uma sacola plástica no lugar da mochila, disseram - baseados em achismos individuais - que nunca se sentiram mal com a falta de bonecas negras, falaram que racismo era vitimismo e, escrevendo textões sobre a igualdade entre brancos e negros, tentavam anular as vozes negras que se erguiam. Essa anulação foi o que me motivou a escrever.

Sou branca, por isso não sei o que é sofrer racismo e eu preciso aceitar que não sou e nunca serei vítima do que algumas pessoas chamam de "racismo inverso", até por que isso não existe. Minha mãe é negra e isso não me autoriza a falar pelo movimento de empoderamento da negritude. Tudo que posso fazer é falar sobre ele sem tomar para mim a voz da razão.

A primeira coisa que precisamos entender é que a representatividade negra é muito recente (sugiro a leitura do texto "Representatividade importa, sim"). Até um dia desses não se tinham personagens principais negros, as tintas de cabelos tinham embalagens com mulheres brancas com produtos pensados para mulheres brancas, outros produtos para cabelo prometiam alisar ou baixar o volume, as maquiagens só tinham os tons mais claros de pele, as propagandas mostravam homens, mulheres e crianças brancas consumindo produtos para brancos. É óbvio que ninguém chegou e apontou que todos esses produtos eram para os brancos, mas também não foi preciso. O branco, consumidor, não precisa pensar sobre a própria representatividade por que ele - embora minoria no Brasil - é o que chamamos de “padrão”.

O dito padrão é o que faz distinções entre "bonito" e "feio", "aceitável" e "inaceitável", "bom" e "ruim". O "racismo não existe no Brasil" é um mito.


Fonte: Criatives

As fotos acima são do projeto fotográfico #Ahbrancodaumtempo e mostra alguns estudantes negros da Universidade de Brasília (UnB) com placas de frases racistas que ouviram na universidade. Dentre os dizeres há ainda "você é um negro de alma branca", "desculpa, é que eu te achei suspeito", "não sou racista, minha empregada é negra e gostamos muito delas" e muitas outras. Racismo existe, sim, e está em todas as esferas sociais.

Retornando a questão inicial, vale dizer que, apesar de haver um grande discurso sobre a miscigenação e igualdade entre brancos e negros, o problema da representatividade (e do racismo) persiste. Chamar o movimento de “mimizento” é sinal de falta de leitura, empatia e informação. É pretensão demais dizer que os heróis e heroínas negros nos HQ’s são suficientemente representativos, que há produtos até para as tez mais escuras e, com certeza, há mochilas com personagens negros. Sobre isso respondo com "não", "não" e "não". Não é desse jeito que funciona.

Os brancos facilmente encontram os produtos de seu interesse por que são divulgados amplamente. Essa menina a esquerda não viu uma seção inteira só de mochilas nesse modelo, provavelmente procurou muito até encontrar. Já a outra, em qualquer lugar que vai há pilhas de produtos com personagens brancas. Até agora você deve ter se questionado - talvez até se irritado - pelo uso da palavra "branco" no texto. Imagine a menina do começo do texto, que não se enxergava em nenhum produto, quantas vezes ela deve ter pensado ou se questionado sobre sua própria cor vendo tanto “branco” ao redor? Sobre isso, é bom questionar por que é tão importante ter representatividade, ainda mais para o público infantil.

Um trecho do texto Infância e representatividade negra, escrito por Flaviana Pinto da Revista Capitolina, pontua bem a importância da representatividade, principalmente na fase da infância:

"Aquilo que eu vejo não é aquilo que eu sou e se ninguém quer me mostrar, o que sou só pode ser ruim. Essa talvez seja a conclusão que eu, ou você ou qualquer criança negra algum dia chegou mesmo de forma inconsciente ao ligar a TV e se deparar com desenhos, novelas, séries onde a única cor mostrada é a branca. A super-heroína é branca, a mulher que manda em todo mundo é branca, a boneca que me vendem é branca, todas as coisas boas que me mostram estão em um papel de cor branca. Caramba! Eu devo ser ruim! Eu quero ser branca igual àquela moça da TV também!"


É preciso ensinar que o branco não é padrão, que o cabelo liso não é o padrão e que, se a mídia continua a empurrar o dito padrão, o erro da história é a mídia. O empoderamento negro é necessário e está longe - muitíssimo longe - de ser "mimimi" ou vitimismo. Ah, branco, para, dá um tempo.

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